Conheça a trajetória do Victor Fattori, pesquisador que busca alívio para mulheres com endometriose 

Quando nos pergutam como escolher o curso da faculdade e que carreira seguir, sempre respondemos que uma excelente estratégia para definir seu objetivo profissional é conversar com pessoas que estão efetivamente atuando na profissão de interesse.

Mas atenção! Para esta estratégia ser efetiva, a regra de ouro é sempre ter o cuidado de conversar com pessoas que estejam felizes com a profissão. De nada vai adiantar conversar com profissionais frustrados.

Assim, respeitando esta lógica e para ajudar pessoas que estão pensando em fazer o curso de Farmácia e/ou seguir carreira acadêmica, compartilhamos a seguir o que conversamos com o Victor Fattori. 

Graduado em Farmácia, com doutorado em Patologia Experimental (e, muito em breve, pós-doutorando na universidade de Harvard), Victor é um pesquisador em farmacologia apaixonado pela sua profissão e motivado pelo potencial de poder encontrar novas formas os tratamento para aliviar os sintomas da endometriose nas mulheres.

Confira a seguir a entrevista na íntegra e conheça os bastidores da sua trajetória.

Victor, vamos começar com algumas informações básicas sobre você. Quantos anos você tem, onde você nasceu, em que escolas estudou e o onde você está hoje?

Victor Fattori: Meu nome é Victor Fattori, tenho 30 anos e nasci em Bebedouro no interior do estado de São Paulo. Estudei em escola pública até a 5ª série e a partir daí em escola particular. Também fiz um ano de cursinho pré-vestibular (metade em Bebedouro e a outra em Rio Preto – SP). Atualmente moro em Londrina-PR (desde 2008) na iminência de me mudar para Boston (EUA).

Você sempre soube que queria fazer Farmárcia? Como foi a escolha do curso para você?

Victor Fattori: Entre 16 e 18 anos temos que optar por uma profissão. Essa é uma escolha que requer muita maturidade, algo que eu não tinha. No meu caso, a escolha do curso foi mais influenciada por um primo que fez o curso de farmácia na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Quando era criança vim na sua formatura e gostei da cidade, e então fiz farmácia porque ele tinha feito.

No final das contas, dei sorte, pois após viver a vida universitária, foi o curso que melhor me preparou para ser um futuro pesquisador. É um curso amplo e que permite ter uma visão melhor sobre os diversos assuntos que abrangem a pesquisa.

Quando você passou em Farmárcia na UEL, o que você esperava encontrar nesta graduação e profissão, mas não encontrou?

Victor Fattori: Eu entrei no curso sem saber o que esperar. Entrei querendo trabalhar em indústria. Durante o primeiro ano queria trabalhar na parte de saúde coletiva (trabalhar em posto de saúde e atendimento à comunidade), até conhecer o mundo da pesquisa básica na área da farmacologia.

E o que você não esperava encontrar, mas encontrou?

Victor Fattori: A pesquisa.

Em algum momento durante a faculdade pensou em fazer algum outro curso?

Victor Fattori: Em nenhum momento pensei em fazer outro curso.

Por que decidiu fazer pesquisa?

Victor Fattori: Desde criança, sempre tive um fascínio em saber o motivo de sentirmos dor. Me perguntava qual seria a importância disso. Por que ao longo da evolução, organismos capazes de sentir dor foram selecionados?

Eu reprovei no meu primeiro ano de graduação (na minha época farmácia na UEL não tinha DP, então qualquer disciplina que reprovasse, automaticamente estava reprovado de ano). A coordenadora de estágios da farmácia da época (Prof. Renata Kobayashi) fez uma reunião com os alunos reprovados e apresentou uma lista de docentes que tinham vaga para estagiários (em 2009). Dentre os docentes disponíveis, estava meu atual orientador Prof. Waldiceu Verri Jr. Sua linha de pesquisa é farmacologia da dor (busca de novos compostos com atividade analgésica).

Então em 2009 eu entrei para o Laboratório de Dor, Inflamação Neuropatia e (LADINC) para aprender mais sobre a dor.

Conforme eu estudava, aprendi como a dor crônica influencia negativamente a vida das pessoas. Esse foi o meu momento decisivo para dedicar a minha vida a compreender os mecanismos da dor e ajudar a desenvolver novos compostos com atividade analgésicas.

Depois de terminar meu bacharelado em farmácia, fiz meu Mestrado e agora doutorado sob supervisão do Prof. Waldiceu pelo programa de pós-graduação em Patologia Experimental.

Conte-nos sobre a sua pesquisa.

Victor Fattori: Eu estudo uma doença chamada endometriose. A endometriose é uma doença extramente dolorosa e debilitante que acomete cerca 10% das mulheres. Estudos demonstram que mulheres chegam a perder cerca de 11h de trabalho por semana devido as fortes dores.

Em mulheres diagnosticadas com endometriose, a dor pélvica crônica debilitante também contribui para sintomas depressivos e em mulheres adolescentes está associada a maiores taxas de ansiedade, depressão e problemas com o trabalho ou outras atividades diárias devido à saúde emocional.

Essa dor prolongada leva as pacientes com endometriose além de diminuir tempo no trabalho, o envolvimento social, o exercício e o relacionamento com colegas e familiares. As terapias atuais como anti-inflamatórios convencionais e medicamentos hormonais não reduzem de forma efetiva a dor das mulheres.

A única cura é a remoção cirúrgica das lesões, porém a reicidiva da doença e dor são extremamente comuns.

Dessa forma, o objetivo é buscar novos tratamentos que sejam mais eficientes e com menos efeitos colaterais.

Eu estudo uma classe de moléculas denominadas de “Mediadores Lipídicos Pró-Resolução”. Nosso organismo produz essas moléculas para controlar os danos durante a inflamação. Nosso objetivo é verificar se essas moléculas conseguem melhorar os sintomas da endometriose, com enfoque especial na dor.

O que você faz no seu dia a dia como pesquisador?

Victor Fattori: Meu dia-a-dia requer muita leitura, escrita e trabalho de bancada para a realização dos experimentos para responder as hipóteses formuladas. A pesquisa aqui no Brasil é conduzida basicamente por alunos de mestrado e doutorado, além de pós-doutorandos. Para nos dedicarmos exclusivamente, recebemos bolsas, porém não temos nenhum tipo de direito trabalhista (férias, 13 salario etc).

Frequentemente, nossa carga horária pode ser superior a 10h diárias. Entre trabalho no laboratório e e em casa, eu particularmente me dedico de 12h a 15h por dia. Além da rotina no laboratório, ainda temos que escrever relatórios, publicar artigos científicos e lidamos com essa pressão de gerar conhecimento original.

Victor Fattori Harvard

O que você acha que foi fundamental para você crescer nesta carreira?

Victor Fattori: Uma das coisas que me move é buscar alternativas para diminuir o fardo das pessoas que possuem dor crônica. Ao estudar, por exemplo, que a dor crônica está intimamente relacionada com depressão e comportamentos suícidas, a minha esperança é que nossas descobertas contribuam para que menos pessoas sofram. É isso que me move.

O que você mais gosta da sua profissão?

Victor Fattori: O que eu mais gosto são os desafios diários. Frequentemente somos expostos à novas informações que nos tiram da zona de conforto. Nos estimulam cada vez mais a continuar.

E quais são as maiores dificuldades para você?

Victor Fattori: Ao mesmo tempo essa também é a maior dificuldade. Tem uma frase do astrofísico Carl Segan que traduz bem isso: “A verdade pode ser intrigante. Pode dar algum trabalho lidar com ela. Pode ser contra-intuitiva. Ela pode contradizer preconceitos profundamente enraizados. Pode não se coadunar com o que queremos desesperadamente que seja verdade. Mas nossas preferências não determinam o que é verdade.”

Então, frequentemente nos deparamos com novos conceitos ou novas verdades. E isso não está apenas relacionados a minha área. Na área das humanidades e psicologia, por exemplo, novas definições surgem e precisamos nos manter abertos à essas novas informações. É uma desconstrução diária.

Por favor, poderia falar um pouco sobre as diferenças entre fazer pesquisa na graduação, no mestrado e no doutorado? E também dar algumas dicas para a escolha dos programas e universidades de pós graduação?

Victor Fattori: Essa questão de pesquisa na graduação, mestrado e doutorado é bem particular de cada laboratório. Isso varia muito da estrutura do laboratório, se o orientador consegue adquirir fomento ou não.

Eu posso falar da minha experiência no LADINC sob a orientação do Prof. Waldiceu. Desde a graduação, os alunos já recebem uma pesquisa original para conduzir. Esse alunos são sempre acompanhados por pessoas com mais experiência, normamente alunos de doutorado ou pós-doutorando que respondem ao prof. Waldiceu tb. Isso é importante porque, como o prof. Waldiceu gosta de salientar, a pós-graduaçao no Brasil é ensino baseado em pesquisa. Então essa interação é importante para ajudar na formação dos alunos tanto da graduação quanto os da pós.

Para seguir na vida acadêmica, precisamos desenvolver essa habilidade de orientar alunos e formular hipóteses.

Com relação à escolha da pesquisa e de onde realizar o mestrado e doutorado, na minha visão, é mais importante a escolha do orientador do que o programa de pós-graduação e a universidade. O orientador é a pessoa que vai te ensinar a pesquisar, ou seja, vai te mostrar qual a melhor maneira de conseguir responder as hipóteses que formulamos.

Alguns pontos para escolher um orientador é verificar se professor tem boas publicações de artigos científicos, verificar se tem fomentos ativos, se já orientou outras pessoas etc é essencial. Essas informações podem ser encontradas na Plataforma Lattes do CNPq, que é o currículo oficial de todos os pesquisadores brasileiros).

Como você conseguiu fazer o seu “doutorado sanduíche”, ou seja, fazer parte dele aqui no Brasil e a outra nos Estados Unidos? 

Victor Fattori: Minha ida para o doutorado sanduíche se deu através do programa Ciências sem Fronteiras do governo federal.

Basicamente, há duas maneiras de estudar no exterior, uma pela CAPES e outra pelo CNPq.

A CAPES é uma agência de fomento federal que faz parte do MEC e que é incubida de disponibilizar as bolsas de mestrado e doutorado para os programas de pós-graduação. Ela também tem uma pasta que distribui bolsa sanduíche para os programas de pós. Nessa primeira opção você concorre internamente (dentro da sua universidade e programa de pós-graduação).

Eu decidi que gostaria de ir pelo CNPq (outra agência de fomento federal, que está vinculada ao ministério de ciência e tecnologia). Nessa segunda opção, você aplica em edital Nacional e concorre com o Brasil todo (na sua área de pesquisa). Eu apliquei e fui contemplado com uma bolsa de 12 meses para estudar na Escola de Medicina de Harvard (janeiro de 2018 até dezembro).

Como mencionei anteriormente, eu leio muito sobre como a dor acontece. E dois pesquisadores (na minha opinião) são fundamentais para mudanças na compreensão de como entendemos a dor. O primeiro é o Prof. Sergio Ferreira (brasileiro, responsável pela descoberta do captopril) e o segundo Prof. Clifford Woolf que descobriu o mecanismo de sensiblização central, essencial para o entedimento da dor patológica (dor no contexto de doença). Então, em conjunto com meu orientador, decidimos aplicar para essa bolsa pelo CNPq e ir para o laboratório do Prof. Clifford. O Prof. Waldiceu entrou em contato com o prof. Clifford e fizemos uma reunião. Definimos o projeto e estabelecemos a colaboração.

Um dos pontos essenciais é ter um orientador que estimule sua ida. Além de precisar da carta de anuência do seu orientador, dificilmente o prof. Clifford responderia um email enviado por mim, mas responderia (e respondeu) o do meu orientador. Então, como mencionei, a escolha do orientador é mais importante que a universidade ou o programa de pós-graduação.

Victor fattori Boston

Como foi para você fazer pesquisa nos Estados Unidos? O que você mais gostou da experiência (tanto pessoal como profissional) e o que foi desafiador?

Victor Fattori: Estar em uma das melhores instituições do mundo é algo inacreditável. Estamos em contato com pesquisa e equipamentos de ponta, e há uma facilidade muito grande para adquirir os reagentes necessários para realizar pesquisa.

Enquanto que aqui no Brasil, alguns reagentes podem demorar até 6 meses para chegar, nos EUA essa espera cai para 3 ou 4 dias.

Algo bem desafiador para mim foi a mudança para uma cidade com um inverno bem pesado. Nunca havia saído do país e sempre morei em cidades quentes. Então me deparar com temperaturas de -20C de Boston foi bem difícil.

O que você acha da pesquisa no Brasil? Principalmente comparado com a forma que é feita no exterior.

Victor Fattori: A pesquisa no Brasil ainda está engatinhando. Vivemos um período bom (entre 2008-2014), mas temos várias dificuldades que são inerentes a um país em desenvolvimento e com uma moeda desvalorizada em relação ao dolar.

O investimento para educação e pesquisa nunca foi ideal, mas o que estamos enfrentando agora é algo nunca visto antes. Com cortes extremos de verbas e bolsas de pesquisa a ciência brasileira vem afundando (como mencionei as bolsas são dadas para alunos poderem se dedicar exclusivamente à pesquisa).

A escolha do atual ministro da educação é a personificação disso. Apesar de todas as dificuldades, alguns grupos de pesquisa conseguem se destacar mundialmente. Porém, ainda é muito pouco para um dos maiores países do mundo.

A comparação entre a pesquisa nos EUA e Brasil se torna difícil ao passo que não temos ou tivemos as mesmas oportunidades. Esbarramos primeiramente na língua (língua oficial da ciência é o inglês) e depois na moeda (dolar muito mais valorizado que o real).

De modo geral, entendo que fazemos um bom trabalho com as condições que nos são oferecidas. Está longe do ideal e tenho certeza que poderíamos fazer muito mais.

Tanto que brasileiros são frequentemente convidados para realizar pós-doutorado no exterior. O problema não é falta de conhecimento e sim falta de investimento pesado em educação.

O que você está fazendo atualmente e quais são seus próximos passos?

Victor Fattori: Atualmente estou terminando meu doutorado. Defendo minha tese dia 21 de fev de 2020. O próximo passo é a realização do pós-doutorado na Escola de Medicina de Harvard. Durante meu período de doutorado sanduíche fui convidado para ficar e realizar o pós-doutorado lá.


Qual mensagem você gostaria de deixar para pessoas que desejam seguir a sua profissão?

Victor Fattori: Para finalizar, em tempos de pós-verdade e terra plana, gostaria de destacar a pertinencia de se investirem recursos públicos na pesquisa científica e em tecnologia e também em ciências humanas.

O conhecimento científico trabalha na expanção da fronteira do conhecimento. Em última instância, é isso que move o país pela buscas de suas próprias soluções e é o melhor caminho para atingir soberania nacional.

Essa busca pelo saber não vai apenas no âmbito tecnologico, vai também no âmbito social, do desenvolvimento de políticas públicas com intuito de diminuir desigualdades sociais, violência etc. Outra frase do astrofísico Carl Segan ilustra bem isso: “O método científico é comprovado e verdadeiro. Não é perfeito, é apenas o melhor que temos. Abandoná-lo, junto com seus protocolos céticos, é o caminho para uma idade das trevas.”

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