Mulheres no topo das organizações: tendência ou exceção?

Em 2020, comemoramos 88 anos da conquista do voto feminino no Brasil e é fácil perceber que de lá pra cá muita coisa mudou para melhor.

As mulheres já não são restritas ao papel doméstico e a esfera pública deixou de ser exclusividade dos homens, o que permitiu que elas passassem a ocupar um papel primordial como força produtiva e como indivíduo de direito.

Hoje, o mercado de trabalho se apresenta mais favorável ao desenvolvimento profissional da mulher, que está cada vez mais buscando e alcançando a realização nas carreiras de sua escolha.

Inimaginável no século passado, agora temos exemplos de mulheres no topo das corporações, como a Luiza Trajano (presidente do conselho de administração do Magazine Luiza), Sheryl Sandberg (chefe operacional do Facebook), Cristina Junqueira (co-fundadora e vice-presidente da Nubank) e Raquel Maia (ex-CEO da Pandora e Lacoste).

Com tantos avanços, tampouco podíamos imaginar que em pleno século 21 escutaríamos discursos como a da atriz Patrícia Arquette na ocasião do Oscar de 2015, ou do Barack Obama em 2014, exigindo um elemento tão básico como a paridade salarial entre homens e mulheres.

Oras, se tudo parece estar caminhando bem, por que ainda ouvimos este tipo de discurso?

Aliás, por que cada vez mais se fala na necessidade de lutar pela igualdade de gênero e pelo empoderamento das mulheres no mundo corporativo?

Se algumas conseguem chegar ao topo, isso não significa que já não existem barreiras à sua escalada profissional e que a ascensão aos altos escalões acontecerá naturalmente?

A resposta é: a evolução natural não é suficiente. Alguns estudos nos ajudam a obter um olhar mais profundo sobre esta questão que tão freqüentemente é tratada com superficialidade e de forma intuitiva.

Estas pesquisas revelam que apesar de a maioria das mulheres terem a ambição de chegar à gerência das empresas (79% das mulheres contra 73% dos homens), em organizações maiores, por exemplo, o homem tem 20 vezes mais chances de se tornar CEO do que as mulheres.

Isso se vê refletido nos números atuais no Brasil, apenas 4% dos principais executivos entre as 250 maiores empresas são mulheres. A pesquisa da McKinsey identificou ainda que mesmo entre os cargos mais altos as mulheres somam a escassa porcentagem de 8,1% das vagas com maior remuneração.

[Aqui os conceitos de mulher e corporações são tratados de forma geral, não considerando especificidades como o segmento (ex: tecnologia/criação publicitária) ou outras condicionantes sociais (ex: etnia/orientação sexual) que resultam em cifras ainda mais desanimadoras].

Infelizmente, estes estudos nos alertam para que a existência de algumas mulheres em tão altos cargos não representa uma tendência natural, mas apenas boas exceções.

A mesma pesquisa se perguntou se a porcentagem vantajosa de universitárias em relação aos universitários, o que se supõe um melhor preparo no estágio inicial, e a abertura da maioria dos segmentos de mercado em recebê-las, pode sinalizar que a galgada ao topo é só questão de tempo.

A conclusão foi de que a evolução natural é insatisfatória. Avaliou-se que em 1980, 48% das mulheres passaram a ter diploma universitário e 31 anos depois, em 2011, a porcentagem de mulheres em cargos executivos era de apenas 7%.

Com base nesta lógica, projetou-se que apesar de em 2010 termos 60% de mulheres graduadas nas universidades, em 2040 alcançaríamos aumentar apenas para 9% a proporção de mulheres no topo das empresas.

Essa sub-representatividade feminina significa que as mulheres estão excluídas do processo de tomada de decisão, que realmente norteia as ações das empresas, como ocorre também na política, religião, tribunais, etc. Elas não estão exercendo o poder e isso não é resultado das leis naturais da meritocracia.

Os estudos apontam para a existência de barreiras reais ao crescimento da mulher nas empresas, que afunilam suas oportunidades na medida em que sobem os degraus da escalada profissional.

Hoje, no Brasil, elas são 60% dos diplomas universitários, 43% em trabalhos operacionais e administrativos, 35% na gerência média, 17% na gerência sênior e 8% nos comitês executivos, segundo aponta o estudo da McKinsey. Ou seja, elas começam na frente, querendo mais e melhor preparadas, mas não estão conseguindo chegar lá.

Entre as principais barreiras identificadas, estão:

  • Viés Inconsciente (Unconcious Bias), que são nossas preferências implícitas formadas a partir de vivências sociais, experiências e exposição a percepções de outros sobre determinados grupos/atributos, podendo ou não ser carregadas de preconceitos, e que influenciam de forma subjetiva, mas decisiva, na tomada de decisão (homens inconscientemente valorizam mais homens/atributos masculinos para cargos de liderança);
  • Balanço entre vida pessoal e vida profissional, pois ainda vigora o modelo de executivos disponíveis a qualquer hora e em qualquer lugar (Anytime, Anywhere);
  • O networking entre homens é muito eficaz como uma espécie de “clube de bolinhas”, e como eles estão no topo, as mulheres muitas vezes perdem oportunidades que surgem neste meio;
  • A jornada dupla (mulheres ainda se dedicam mais a tarefas domésticas e filhos);
  • Falta de reconhecimento do próprio desempenho;

  • Falta de role models femininos;
  • Falta de serviços de apoio à família (creches, licença maternidade/paternidade);

Ok, mas o que as empresas têm a ver com isso?

Elas são culpadas por ter o modelo patriarcal da sociedade replicado no âmago de suas atividades?

 

As empresas precisam ser parte da solução

Longe de querer responsabilizar as empresas por esta realidade que permeia os mais diversos setores da sociedade, a ideia deste artigo é pensar no seu potencial como catalisadoras desta mudança e, principalmente, apontar para os benefícios de se fazer tal investimento.

Neste sentido, o estudo da Catalyst teve ademais o aspecto valioso de sustentar em números que o empoderamento das mulheres no mundo corporativo gera um melhor desempenho econômico para o negócio.

Constatou-se que boards executivos com maior porcentagem de mulheres tiveram resultados de 53% de ROE (Retorno sobre o Patrimônio), 66% de ROIC (Retorno sobre Capital Investido) e 42% de ROS (Retorno sobre Gastos) a mais do que as empresas com nenhuma ou menor porcentagem de mulheres.

Também o estudo da McKinsey corrobora com essa correlação, indicando que uma empresa com pelo menos 1 mulher na cadeira executiva tem 50% maior de EBITDA.

Estes argumentos isoladamente já seriam suficientemente impactantes, mas os benefícios vão além. Ter um ambiente mais propício ao desenvolvimento de mulheres e homens (aliás, de todas as diversidades) melhora a sua reputação.

A Bain & Company realizou um estudo sobre o índice de boa reputação e comprometimento dos empregados (NPS – NET Promoter Score), que avalia basicamente quem recomendaria sua própria empresa como um ótimo lugar para se trabalhar.

Quando perguntados se sua empresa é um bom ambiente para mulheres do nível sênior, verificou que os homens pontuaram como 9 (favorável) e as mulheres pontuaram -38, em total discordância. A falta de identificação com a empresa reflete em menor engajamento e produtividade e em maior rotatividade, resultando em custos reais para os negócios.

Envolver as mulheres nas decisões estratégicas, no desenvolvimento de um novo produto e ao mesmo tempo fornecer oportunidades mais justas de crescimento significa cuidar, compreender e fortalecer o poder de compra dos seus principais consumidores (70% são mulheres, que compreendem 20 trilhões de dólares globalmente).

Por fim, e não menos importante, a igualdade de direitos entre homens e mulheres é um direito humano e é vital para o progresso da humanidade. Hoje esta problemática está em voga no mundo e conta com uma demanda forte e crescente por parte da sociedade.

A ONU tem se articulado fortemente neste sentido com a campanha HeForShe e a iniciativa IMPACTO 10x10x10, que demanda engajamento das empresas na implantação dos princípios pelos direitos das mulheres em suas próprias empresas. É uma oportunidade de sua empresa ser parte deste movimento e ser valorizado por isso.

Como mudar este cenário?

Ainda que não seja uma tarefa fácil (pelo contrário, exige tempo e energia), as empresas têm o potencial de fazer essa transformação.

Para isso é fundamental que ela a torne um imperativo estratégico, como um compromisso reconhecido por todos, elaborando programas ousados, inteligentes e bem conectados, de acordo com a realidade de seu negócio.

Entender o problema através de uma análise séria e um diálogo robusto é fundamental para poder-se tomar as atitudes corretas e engajar as pessoas nesta missão. Para isso é importante uma comunicação transparente e clara entre todos, especialmente entre os líderes, de modo que se eduquem sobre a necessidade e vantagens desta mudança cultural, para internalizar a estratégia às práticas cotidianas de trabalho.

Há uma tendência de que os países apliquem a política de cotas, como aconteceu na Alemanha, porém pode ser mais eficiente e duradouro a elaboração de targets desafiadores, que contem com o real engajamento dos líderes para o serem alcançados.

As possibilidades de ação e benchmark nesta trajetória são muitas, e os programas podem ser desenvolvidos de modo a beneficiar a todos, estimulando um ambiente de trabalho que valoriza a diversidade.

Entre algumas recomendações estão:

  • Valorizar e viabilizar uma forma mais flexível de trabalho para estimular um ambiente propício a um maior balanço entre vida pessoal e profissional;
  • Diminuir as subjetividades na hora da tomada de decisão de uma seleção e promoção (unconscious bias) através de treinamentos, discussões e estabelecendo processos seletivos realizados por um grupo diversificado de pessoas;
  • Estabelecer metas desafiadoras e que reflitam a realidade do negócio e monitorá-las com seriedade para identificar se existem avanços e realizar os ajustes necessários;
  • Observar o pipeline a fim de identificar talentos e estrategicamente estimular o desenvolvimento dos mesmos, através de programas de mentoring e coaching, treinamentos de liderança e estimulando uma rede de networking entre mulheres;
  • Realizar uma comunicação interna clara sobre a temática, abrindo espaços de diálogos e visibilizando casos de sucesso entre as mulheres;
  • Garantir ações de publicidade mais inclusivas e respeitosas, bloqueando propagandas que enfatizam estereótipos, “objetificam” e inferiorizam o papel da mulher;
  • Disponibilizar serviços de apoio à família (creches, licença maternidade/paternidade).

A palavra de ordem hoje é a inovação e para isso se busca importar metodologias sofisticadas, tecnologias inovadoras mas, por outro lado, não se atenta ao potencial recompensador de transformar a própria cultura para uma mais diversa e inclusiva.

Se sua empresa busca sempre crescer, inovar e se renovar, ela não pode perder a oportunidade estratégica de aproveitar e investir nos aproximados 50% do recurso que ela tem, em potencial, para uso : as trabalhadoras.


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